quarta-feira, 3 de agosto de 2011

35040 horas

Domingo pela manhã recebi um sms no meu celular dizendo "Bom dia. A coluna da Martha Medeiros de hoje foi escrita para ti. Bj." Pois bem... fui atrás por que nunca duvidei do poder de Martha Medeiros captar sentimentos e experiências da minha vida! Há alguns meses estava tentando ler o livro "fora de mim", mas não consegui passar das primeiras 20 páginas. Não que o livro não seja excelente, mas é que os sentimentos e o realismo que ela descreve as cenas e a percepção de uma separação foram tão fiéis para não dizer telepáticas sobre o que senti e pensei que foi forte demais para seguir adiante. Talvez em outro momento retome esta leitura.
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A crônica entitulada '127 horas' faz analogia do filme homônimo com a metáfora da necessidade que cada um de nós tem que, em algum momento da vida, amputar um pedaço de nós para dar continuidade na vida: amores paralisantes ficam impreganados no nosso corpo e na nossa existência até se tornarem um pedaço de nós, e vai esmagando este pedaço até que resolvemos amputar a tal parte quando percebemos que, no final das contas, aquele pedaço não nos pertence mais, precisa ser estirpado.
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Tinha razão... mais uma vez Martha Medeiros ficou sabendo da minha luta e resolveu escrever a minha história. :)
Tenho lutado por uma amputação. Já me questionei muito do porquê ter esperado tanto para iniciar a cirurgia de excisão.
Sempre achei que a circulação iria voltar, o sangue correria nas artéria irrigando tecidos e músculos. Foram 35040 horas (talvez um pouco mais) esperando a revitalização, e sinceramente, por vezes eu tive certeza que a irrigação estava preservada, mesmo com alguns tendões e nervos esmagados... nada que muita fisioterapia e dedicação não resolvesse. Durante vários momentos percebi até que uma alavanca deslocava a pedra que esmagava este pedaço de mim, o que por alguns instantes (e repito... APENAS alguns instantes) enchia de sangue arterial rico e oxigenado, por consequência me enchia de esperança que a amputação não seria necessária.
Mas chegou o dia que nada mais poderia ser feito. A pedra rolou no vai e vem, esmagando de vez as últimas estruturas. A amputação foi a única solução e cedi ao procedimento: melhor perder um pedaço de mim do que intoxicar todo o meu corpo.
Se fui amiga ou inimiga do tempo nesta longa espera? Não sei. Prefiro pensar que foi preferível esperar e ter certeza do irremediável fim do que antecipar uma precipitada amputação por medo, covardia, orgulho. Não tive medo de andar por aí com um membro meio defeituoso e com cicatrizes aparentes, afinal a minha persistência e fé seriam a salvação. Hoje sei que só isso não é suficiente.
Fiz tudo sem anestesia, sem alucinógenos... sem fugas. No momento de recuperação, tenho passado pela "síndrome do membro fantasma": às vezes acordo com a certeza que aquele pedaço ainda está em mim, ou que ainda tenho que cuidar do membro enfermo - quase um ato reflexo, muitas noites sonhadas que a parte estava lá bem saudável em mim, às vezes até acreditei no reimplante. Mas tenho consciência que minha vida seguirá mais leve depois da amputação e me adaptarei sem este pedaço. Aos poucos a síndrome membro fantasma vai se dissipando em memórias até que nem me recorde mais como era minha vida com aquela parte.
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Metáforas à parte...
Não me sinto mais leve, ainda. Fiz o que tinha que ser feito, no momento que julguei mais adequado com os prognósticos que surgiam dia a dia.
Cada um tem seu tempo, e no meu tempo restou a certeza que não fui precipitada e a coragem chegou na hora que tinha que chegar. Tal como quando ouvimos de um médico que "todas as possibilidades foram tentadas". A insatisfação de ver que a pedra não se moveria sozinha, não me pertence mais... isso é libertador e eu estou me salvando.

Fica aqui a minha busca por novos cânions como encerra Martha na sua crônica "Cada um tem um cânion pelo qual se sente atraído. E um cânion do qual é preciso escapar."